Conheça o artista Guilherme Almeida

Guilherme Almeida nasceu na periferia de Salvador-BA, na Cidade Baixa, no bairro do Uruguai e o interesse pela arte começou cedo, fosse desenhando, lendo uma revista em quadrinhos ou assistindo a um desenho. Porém, não só para Guilherme, mas para outros jovens e pessoas de periferia, as artes não são apresentadas como profissão ou área promissora, ficando apenas no âmbito hobby.  

Conforme a infância vai passando, o “desenho bonitinho” é só um desenho bonitinho e outras atribuições e tarefas vão sendo atribuídas a essas pessoas como sendo o certo a se fazer, pois a hora de brincar de ser artista acabou. Infelizmente, não só em relação à arte, mas outras áreas ainda são tidas como impossíveis para quem é negro. Guilherme é um jovem que saiu contra a este pensamento e tem se dedicado, desde a universidade pública onde cursou Artes Plásticas, a ser um profissional de arte e abaixo você conhecerá um pouco sobre sua trajetória.  

Guilherme Almeida é o autor da exposição Este Sorriso Que Em Mim Emana, atualmente alocada na Galeria Base, e usou como título um trecho do poema de Carolina Maria de Jesus: Poeta, por que choras?

“Que triste melancolia.

É que minh’alma ignora.

O esplendor da alegria.

Este sorriso que em mim emana,

A minha própria alma engana.”

Riso de poeta. Carolina Maria de Jesus, 1996.

Arapuru: Conta pra gente um pouquinho sobre sua história e como foi o seu início na arte?

Guilherme: Foi no ensino médio que eu coloquei na cabeça que queria ser artista e o primeiro passo foi buscar um curso de pintura no Museu de Arte Moderna da Bahia. Essa, inclusive, foi a primeira vez que entrei em um museu. Apesar de a maioria dos museus em Salvador terem entradas gratuitas, esses ambientes não nos era apresentado e existiam/existem muros que nos separam deles como se não fossem para nós. Quando entrei no Museu de Arte Moderna, fiquei encantado com aquele ambiente, com as pessoas, com as aulas, com as exposições que comecei a frequentar e, a partir dali, vi que estava me encontrando. Tinha certeza que aqueles ambientes fariam parte da minha vida.

Quando comecei no curso de pintura, experimentei de tudo, todas as técnicas, as tintas, até que caí na pintura abstrata e minhas duas primeiras exposições foram desse segmento, o que é engraçado, pois esse é o caminho contrário ao de outros artistas. Geralmente, o processo começa no figurativo e vai ao abstrato, mas comigo foi diferente. Eu fazia muito desenho figurativo, depois fui para pintura abstrata e só depois retorno para figurativa. A pintura abstrata me deu força e ajudou a entender mais sobre meu processo, sobre a minha forma de trabalhar.  Depois desse curso introdutório, entrei na Universidade Federal da Bahia para cursar Artes Plásticas. Quando entrei na federal, meu foco não era só aprender a pintar ou desenhar, mas também em fazer contatos e saber como funciona a profissão, como é que se faz uma exposição, como vender meu trabalho, conhecer curadores, historiadores, restauradores, profissões envolvidas para que tudo aconteça. Foi a partir do ambiente universitário que também tive a oportunidade de viajar para minha primeira residência em Portugal e esse foi o começo da minha carreira.

Arapuru: Quantas obras estão expostas atualmente na Galeria Base?

Guilherme: Na exposição eu apresento 37 trabalhos ao todo. São trabalhos desde a minha primeira série feita em 2019 chamada Destruição dos Mercados 1, 2 e 3, também tem o primeiro trabalho dos calouros feito em 2018 que fala sobre a nova geração e o poder que é ter jovens negros dentro da universidade. Minha pintura é esperançosa, pois tem algo de querer mais e mais, crescer, ver coisas boas acontecerem, conquistar espaços e mostrar outras realidades da população negra.

Além dessas séries, trago também 5 pinturas do meu último projeto: O Negro. Nele, falo sobre o homem negro que muitas vezes é ligado ao brutal, ao não-afeto, da pessoa forte que não chora, não sorri. N’O Negro, falo de diversas formas de afeto, sorriso, felicidade, alegria, onde o homem negro é protagonista.

Galeria Base

Arapuru: Qual a sensação da primeira exposição individual?
Guilherme:
A sensação é única. Ter uma exposição é muito bom, pois é a materialização do meu trabalho e sei que terá alcance em diversas pessoas, não só de quem tá curando, mas de quem está assistindo ao show, a quem está prestigiando e que terão acesso às minhas pesquisas de anos. Lá elas poderão me conhecer. Lembrando que, para acontecer uma exposição individual, não depende apenas do artista, mas sim de um grupo empenhado para que a arte seja propagada.

Sem título – Acrílica e acrílica alto relevo sobre tela

Arapuru: Como surgiu a ideia de usar jornal e outros materiais para compor as obras?
Guilherme: Eu comecei a usar jornal e outros materiais durante o curso, pois a faculdade pedia que usássemos tela, tintura à óleo, acrílica, aquela coisa bem eurocêntrica e eu comecei a me questionar, pois existem diversos outros materiais que podiam ser usados na arte. Nós, como estudantes, ainda mais vindos de periferia, não tínhamos dinheiro para ter todos os materiais que os professores pediam e diziam que eram os certos. Eu enxergo a arte de outra forma, não como o padrão de ser apresentada ou só de fazer dinheiro.

Desde a infância, minha família recicla jornal, garrafa pet para um espaço cultural. Na mão deles, esses materiais viravam colares, brincos, sofás e outros móveis com pet. Então, eu sempre soube que esses materiais serviam para muito mais do que para descarte ou para transformar em garrafa/papel de novo. Estudei esses materiais, entendi sobre a quantidade de água que poderia colocar num jornal, qual tinta usar no plástico e outros. Comecei a apresentar meus trabalhos com essa alternativa e talvez pode ter sido visto como afronta, mas era uma forma também de mostrar que não era por não ter dinheiro que eu iria de deixar de entregar meus trabalhos e que eu poderia pintar em qualquer coisa: madeira, papelão, jornal. Por causa disso, entendi que esses materiais fazem parte da identidade da minha arte e são importantes na construção da minha pintura. Jornal não é à toa, plástico não é à toa, o vidro não é à toa.

Elza Soares – Acrílica e acrílica alto relevo sobre jornal

Arapuru: Para você, qual a relação entre a arte e a reciclagem?

Guilherme: A reciclagem é algo de muita importância nas artes. Pra mim, esses objetos podem ter diversos valores, não em reais, mas em importância, fora que, a arte contemporânea não é isso? Nada mais importante do que imprimir o meu dia a dia no meu trabalho, já que esses materiais são únicos para mim, algo que vivo. Não posso descartar minha realidade. Esses materiais fazem parte de mim.

Arapuru: Qual a principal mensagem que você quer passar através do seu trabalho e para quem está destinada?

Guilherme: A mensagem que quero passar com meu trabalho é bastante simples. Eu não pinto algo surreal ou inacreditável. Eu pinto família, pessoas que admiro, me pinto: tudo o que eu vejo, que está à minha volta, não só no sentido de visão, mas de viver mesmo. Minhas inspirações vêm de algo que minha avó tenha comentado sobre as brincadeiras dela de infância, festas, comemorações, feitos do passado, isso me interessa. Minha mensagem é mostrar para o mundo que a gente consegue ser feliz, mesmo com tantas coisas negativas que sempre vai nos prender. A história existe, o racismo é verdadeiro, não há como apagar, mas quero mostrar que conseguimos alcançar outros passos e sorrir. Quero falar sobre esses sorrisos e dar forças a eles, pois não são só lágrimas de sangue. Existe felicidade e autoestima para o povo negro.

Arapuru: Quais são suas referências?

Guilherme: Minhas referências são muitas: festas de final de semana na rua, sorriso de criança, o abraço de um pai e mãe, conversas em família. Nas artes, tenho o No Martins, por exemplo. Tenho referências na música, na performance, teatro, nas mulheres negras, na minha mãe, na minha avó que me ajudam a construir isso tudo.

Arapuru: Quer deixar um recado para jovens que, assim como você, querem entrar de cabeça na arte?

Guilherme: O artista nada mais é que um teimoso. Ele faz o que ele acredita, independente da crítica que recebe. O artista tem um feeling de saber o que tá fazendo, mesmo sem entender e produz para receber respostas. O recado é persistência, é acreditar, ter boas referências, ter foco e continuar fazendo mesmo quando for difícil. Ser artista não é um trabalho só de flores, muito pelo contrário, pois é contínuo, árduo e, às vezes, é também chato. Porém, tudo vale a pena no final.

Se você morar ou estiver em São Paulo, não deixe de prestigiar a exposição do Guilherme que, atualmente, está alocada na Galeria Base, Alameda Franca, 1030, Jardim Paulista. A galeria funciona de terça à sexta das 11h às 19h e e aos sábados das 11h às 15h. Guilherme também está no Instagram e você pode acompanhar clicando em @euguilherme_almeida .

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